A fuga

Autora: Mariele Cristina Dos Reis
Turma: 9ª série B
Unidade: Lajeado
Professora: Letícia Gracioli

 

Se nascer mulher em meu antigo país já não era motivo de muita alegria, dentro de minha família era menos ainda. Desculpe caso este início de história não tenha sido dos melhores, nunca fui boa com textos. Afinal, em um Estado machista e ditatorial no qual eu vivia, mulheres não desfrutavam do direito de receber a mesma educação que homens.
Você deve estar com muitas dúvidas, deixe que eu me apresente. Meu nome é Yolle, pertenci há 14 anos à Coreia do Norte antiga, minha família é chefe do maior tráfico de pessoas de todo o Oriente Médio, o que significa que, eu, sendo mulher, estaria destinada ao cargo de “funcionária” e não de administradora dos negócios dos Kim. Fugi da morte por guardar um grande segredo, devido a isso, saí de minha terra natal e posso estar contando essa história para você.
Desde os meus 9 anos, era abusada pelo meu tio, Kwan, o qual argumentava estar fazendo um bem a mim, preparando-me para ser uma prestadora de serviços dos “trabalhos” da família, não dirigente, fazia questão de sempre ressaltar isto: “Uma garota como você, feia, não tem muito valor de mercado.” mesmo.
Sempre que ele chegava perto de mim, já podia sentir o medo, a vontade de gritar, de morrer, porém lá mulher não tem o direito de opinar, foi feita para receber ordens e obedecer quieta e, se reclamar, apanha. Eu me sentia um completo lixo humano, somente objeto de prazer. Minha pele clara ficava facilmente marcada pelas suas agressões, meus olhos castanhos claros ressaltavam minha desconfiança e minha magreza era o resultado de meus castigos por desobediência.
Certa noite, saí para um lugar, o qual é melhor não revelar agora, e a partir daquela madrugada, passei a esconder o segredo que poderia me levar à morte. Inicialmente, frequentava duas vezes na semana, depois passei a ir quase que diariamente. Eu tinha de sair com roupa de prostituta, para que não houvesse sombra de dúvida sobre o que eu iria fazer. Esse não era o problema, levava uma roupa mais decente na bolsa. A vizinhança não estranhava, pois sabia da nossa “empresa”. O tráfico humano não era permitido, porém o governo tinha suas “parcerias” conosco, assim não corria risco algum de meus parentes serem presos. Ou seja, uma mulher sair no meio da noite era normal para uma Kim, ninguém notava anormalidade nisso. Meus pais e avós ficavam felizes por eu já estar “começando cedo”. Todavia, tinha de haver um empecilho, seu nome? Kwan. Aquele ogro sabia que eu não poderia estar me prostituindo, ao menos não por conta própria. Infelizmente, ele compreendia toda a pureza que havia em mim, mesmo ele tentando arrancá-la de minha posse com seu olhar ganancioso e grossas mãos escuras, comparadas às minhas, é claro.
Tendo em mente que atos vulgares como o de vender-se não provinham de mim, ele tentou me torturar até que eu falasse quem estava por trás daquilo. Deixava claro que ninguém estava me obrigando a nada, eu havia escolhido “seguir o rumo de meu destino”. Insatisfeito com minhas respostas, decidiu seguir-me até o “lugar secreto” onde guardava meu segredo. Saí de casa normalmente, andei uns dez passos até levar um susto, sentia que algo estava me acompanhando. Pouco à frente, como de costume, agachei-me para dar um petisco ao cachorro da casa ao lado, usava-o para demarcar o início do caminho, já que as ruas não tinham iluminação. No meio do trajeto, fui surpreendida por meu tio, o qual me colocara contra a parede, sua mão em meu pescoço, forçava-me a falar aonde eu iria. Não conseguia dizer nada além de coruja, “ponto” que eu usava de referência para saber que havia chegado no lugar certo.
Sobre essas circunstâncias, o depredador de minha infância fez com que eu o levasse ao “esconderijo”. Já nem estava mais preocupada comigo, mas sim com todos que se prejudicariam ao serem descobertos. Chegou a hora da verdade, não tinha mais como esconder o segredo, ele abriu as cortinas da cabana improvisada e encontrou ali um culto cristão, o qual era proibido na Coreia do Norte. Imediatamente, Kwan pegou-me pelo braço, olhou bem no fundo dos meus olhos e disse, com desprezo e nojo, que eu era uma vergonha para toda a família e merecia morrer, sentia a face direita arder do tapa e o seu cuspe escorrer sobre minha cabeça.
Assim que o sol nasceu, meu tio estava indo ao governo contar o que descobrira. Eu e todos os que reuniam-se para os cultos fomos levados para decapitação. De alguma maneira, que até hoje não sei explicar, consegui fugir. Corri, corri, corri até estar longe o suficiente para que não me achassem, mas a dor de saber que eu deixei meus irmãos para trás invadia meu coração e transbordava meus olhos. Eu sobrevivi, porém muitos cristãos continuam sendo mortos, milhares de mulheres sofrem por abusos, milhares de jovens são vendidos para tráfico humano e o sistema continua machista, opressor e ditatorial. Permanecem as fugas.

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