Vida real

Autor: Renato Bertoglio
Turma: 9ª série A
Unidade: Lajeado
Professora: Letícia Gracioli

    O celular tocou. Meu bolso vibrava sem parar e eu quase não conseguia sentir, estava tão focado na paisagem a qual se estendia em minha frente que atendê-lo seria uma tarefa impossível naquele momento, Depois de meia hora e mais alguns toques, finalmente saí do “mundo dos sonhos” e voltei ao pacato mundo real. Por quê? O que tinha de tão especial na vida? Ainda não sabia, mas algo me dizia que valeria a pena esperar.
    Resolvi checar minha caixa de correio: “13 chamadas perdidas: Anna Victória”. Meu coração parou, e minha mente desligou-se por um instante. O que será que ela queria? Decidi que mandaria uma mensagem, e foi exatamente o que fiz, depois de duas horas pensando nas palavras certas, afinal, não poderia cometer um erro sequer ou perderia a chance de me redimir para sempre. Imaginei quanto tempo Anna iria demorar pra responder e, antes que pudesse chegar a algum número real, ela já havia me respondido. Disse que precisava falar comigo com urgência. Estranhei “depois de tudo que eu havia feito com ela?”. Bom, nunca a entendi muito bem. Continuei a conversar, perguntei se estava tudo bem, e Anna Victória respondeu que não, Prometemos nos encontrar no dia seguinte. Fiquei ansioso.
    Cheguei no horário marcado e Anna estava lá, na frente da biblioteca, com o velho caderno de desenhos na mão, linda como sempre. Aproximei-me e a garota me abraçou. Instantaneamente, uma felicidade me contagiou. Antes mesmo de eu a conseguir dizer oi, ela me arrastou para dentro do antigo prédio. Disse-me que havia encontrado a resposta. Resposta para quê? Teria encontrado uma filosofia na página 42 de um livro qualquer? Não, isso não parecia ser nenhuma bobagem, afinal, eu estava ali, com ela. Era isso que importava.
Seguimos para o canto da seção de livros (muito) antigos, O gato preto dela estava lá, o bendito Noturno. Ignorei-o. Anna sentou no chão, onde já havia alguns livros acumulados, e começou a procurar. Perguntei o que estava acontecendo e ela respondeu para eu ter calma. Por dentro, aborreci, por fora, transpareci. Avistei, logo próximo ao felino, uma pequena moldura. Linda, na qual encontrava-se uma foto minha com Anna. O aborrecimento se foi.
De repente, ela me chamou, disse que havia encontrado o que estava procurando, e pediu-me para que lesse o trecho sublinhado. Era uma poesia, uma linda poesia grega. Terminei de ler, olhei para aquela linda mulher sentada na minha frente e perguntei o que aquilo significava. Ela nada disse, apenas ficou me observando com aqueles pequenos olhos úmidos. Senti que deveria me aproximar, entretanto seus gestos afirmaram que não era uma boa ideia. O que eu deveria fazer, afinal? Fiquei parado, com o livro na mão. Li novamente a poesia. Li de novo. E de novo, e de novo. Depois de ler umas dez vezes, ela pegou o livro da minha mão e jogou-o no chão. Meu coração acelerou novamente.
Anna começou a falar que ultimamente estava se sentindo muito sozinha, que seus colegas não andavam mais com ela, e que o Noturno era sua única companhia além de sua mãe. De repente, começou a chorar e a dizer que sentia minha falta, que por mais que me odiasse pelas coisas que eu havia feito, não conseguia deixar de me amar, e que, se eu estivesse disposto, poderia me perdoar. Não pensei duas vezes antes de beijá-la. Porém, ela logo se afastou, como se não fosse aquilo que quisesse. Tentei me aproximar novamente, mas Anna me empurrou e eu caí.
    Sem explicação, livros começaram a cair das altas prateleiras, e a minha amada pôs-se a gritar. Inesperadamente, como se aquilo não estivesse estranho o suficiente, o teto da biblioteca foi levado embora, e uma grande tempestade apossou-se do local. Além disso, Anna Victória começou a levitar, a gritar mais alto. As palavras que ela estava “dizendo” eram em latim, que, por sorte, era uma das únicas línguas que eu sabia falar, e era algo como “eu não acredito em você, depois de tudo que fez, achou mesmo que poderia te perdoar?”.
Acordei e estava chovendo. Uma garoa leve e deprimente. Meu coração, novamente, estava batendo muito forte. Estava confuso, não entendia direito o que havia acontecido nas últimas horas (ou seja lá quanto tempo havia se passado). Subitamente, meu celular começou a tocar, e eu o deixei tocando. Passou-se meia hora quando tive coragem de olhar para a tela do aparelho: 13 chamadas perdidas. Vida real.
  

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